Poemas

Cotidiano


Uns nascidos para martelo,
outros, para prego nascidos

prega martelo
prega martelo

martelo feito gente
gente feita prego

prega martelo
prega martelo

martelo por martelar
prego por pregar

prega martelo
prega martelo

lixo por reciclar
charrete por puxar

toca cavalo
toca cavalo

em Florianópolis, 07 de Setembro de 2010


...

Prece do insano

A nossa ajuda
está no nome do senhor
que fez medicina
e se tornou psiquiatra

que detém o diploma
a caneta
o consultório

que receita conforme
a bula sagrada
do laboratório:

a cada um
a cada rótulo,
sua prescrição

conforme os ritos
dissimulados
da escravidão.

19 de Agosto de 2010


...

Beauvoir
Foto: Art Shay


Nua como a lua
ela se insinua
até meu ser
Ancas brancas
francas
em seu querer

Coxas redondas
desejos em ondas
chamando prazer

Depois de tudo
corpo desnudo
ainda mulher


Florianópolis, 03 de Agosto de 2010



Leia sobre a foto de Simone de Beauvoir nua no Blog do Nuca


...

Inverno


Assovio
do vento frio
no cipreste

Chuva fina
quase neblina
do leste

Rua nua
sem lua
inverno inconteste


12-08-010

...


Manhã de domingo


Eu só
e o curió

acolá
um sabiá

cardeais
em rituais

manhã
de domingo

de pingo
a pingo


...



Calçadas molhadas
ao vento sul
fazendo enredo

Casas fechadas
guardando segredo
nesta manhã

Mulheres caladas
servindo a maçã
em doce arremedo


...

III


Sou o que restou após a guerra

ajudei na morte de meus pais
tomei a vida de meus irmãos
estrangulei o menino que fui
cuspi na face do anjo
fiz meu filho ser aborto

paguei todo preço possível
para suportar o grande peso
e te buscar neste momento

Em "Trajeto"


...


Encruzilhada


encruzilhada
que não muda nada

qualquer caminho dará
na porta errada...

uma questão:
x=ss (?)



...


II


o homem assassino estrangulou o menino
e o sangue morno rolando na terra
fez argamassa para o túmulo

ruíram casas, templos, flores,
porque sou lodo, abutre e ferrugem
vim da endosmose de escarro, vermen e nada

os deuses me vomitaram num vazio côncavo
só longe se estendem em todos os sentidos
tocando infinitos no pátio de mim


Em "Trajeto"


...


Sempre-jamais


A gente se tece
na atração que acontece
sem menos nem mais

e o velho desejo
em novo lampejo
então se refaz

na antiga ternura
quase loucura
de um sempre-jamais


2009

...


Desvio


Sua orelha
aquele beijo

seu arrepio

face vermelha
discreto desejo

fêmea no cio

antiga centelha
em novo lampejo
outro desvio


2009


...


Poemilhas
As Praias


Quarenta e duas praias
para a gente se banhar.

Rendas e samambaias
para as vistas alegrar.

Mulheres tirando as saias
para o seu corpo queimar.

Jurerê Canasvieiras
brisas pra refrescar.

Galheta Praia Mole
Joaquina para surfar.

Campeche Armação
Lagoa para sonhar.

Praia da solidão
Você se desnudar.

Florianópolis, novembro de 2008.


...


Poemilhas:
Ingleses do Rio, Vermelho
Na Praia dos Ingleses
Ingleses do Rio Vermelho

a água é verde verde
e limpa como espelho

na Praia dos Ingleses
Ingleses do Rio Vermelho

Baré botou a rede
Leca lançou também

e a gente fica esperando
pra ver que peixe vem.

Na praia dos Ingleses
Ingleses do Rio Vermelho

vento soprou forte
e pescador sem sorte
não teve quinhão nem nada.

Na Praia do Ingleses
Ingleses do Rio Vermelho
do Rio Vermelho.


Florianópolis, novembro de 2008.


...

Poemilhas:
As areias da Lagoa


Rendeira deixa a renda
para menino ninar.

Pescadores de canoa
vão saindo para o mar.

E as areias da Lagoa
dizem coisas ao luar.

No sorriso da morena
um convite para amar.

Uma noite sem juízo
nos seus olhos a brilhar.

E as areias da Lagoa
são poemas ao luar.

Uma flor de açucena
pra a cena enfeitar.

Pele morena quente
pedindo para amar.

E as areias da Lagoa
fazem berços ao luar.


Florianópolis, novembro de 2008.


...

Poemilhas


O Morro da Cruz

não tinha luz
nem televisão

era apenas
Morro do Antão.

A ponte Hercílio Luz
tinha trilhos de pranchão
e um guarda sempre de plantão.

Lá embaixo

navios no porto
a Ilha do Carvão
menino absorto.

Havia uma Rita
que fazia marmita
e era depois Maria.

O povo da Arataca
comia semana inteira
e não sabia

que a sua marmiteira
um dia seria
Rita Maria.

Depois, vinha
o cais do Frederico
as lanchas
de Paulo Lopes
nosso mercado público.

O ônibus
parava na Alfândega
e não se chamava terminal
era apenas ponto final.

O Bar São Pedro
vendia pinga
para matar o bicho.

A chuva
molhava a gente
nas noites de carnaval.

O Job sabia de tudo
freqüentava o senadinho
e sacaneava aquele mudo
do café do Seu Foguinho.

O Adolfo
era dono dos automóveis
e tinha selos
do ICM sem S

a provar propriedade
para quem quer que o quisesse.

A Dona Traça
se pintava
na Figueira da Praça
todas as manhãs.

As lavadeiras de Sambaqui:
pareciam margaridas
deixando as ruas floridas
com seu ti-ti-ti.

Desciam na Catedral
de um ônibus
quase sem bancos
e levavam na cabeça
aqueles seus sacos brancos.

Com as duas mãos soltas
cumpriam desenvoltas
seu rito matinal.

Eram marias
Marias de carnaval
levando na patroa
as roupas do varal.

O Morro da Cruz
não tinha luz
nem televisão.

Era apenas
Morro do Antão.


Florianópolis, dezembro de 2008.


(Versão completa publicada de Florianópolis)


...
Florianópolis


O Morro da Cruz
não tinha luz
nem televisão
era apenas
Morro do Antão.

A Ponte Hercílio Luz
tinha trilhos de pranchão
e um guarda sempre de plantão (...)

O ônibus
parava na Alfândega
e não se chamava terminal
era apenas ponto final (...)

A chuva
Molhava a gente
nas noites de carnaval.

O Job sabia de tudo
frequentava o senadinho
e sacaneava aquele mudo
do café do seu Foguinho (...)

A Dona Traça
se pintava
na Figueira da Praça
todas as manhãs.

As lavadeiras de Sambaqui
pareciam margaridas
deixando as ruas floridas
com seu ti-ti-ti.

Desciam na Catedral
de um ônibus quase sem bancos
e levavam na cabeça
aqueles seus sacos brancos.

Com as duas mãos soltas
cumpriam desenvoltas
seu rito matinal.

Eram marias
Marias de carnaval
levando na patroa
as roupas do varal.

O Morro da Cruz
não tinha luz
nem televisão.
Era apenas
Morro do Antão.

Poesia publicada na revista "Santa Catarina Magazine", Ano 1 - Edição 9- 2009

...

Poemilhas:
Amanhecer


As aracuãs
do Caridade
acordam as irmãs.

O autorama
de ontem à noite
agora se insinua
sem luzes
e sem lua

com os carros
retomando a rua.

O sol
avança regressivo
do continente
dourando a ilha
pomposamente.

A cidade
amanhece menina
e a baía sul
se faz piscina
em cor de céu azul.

Poema inédito do livro em preparo "Poemilhas". Florianópolis, 20-01-2009.
...

I


as flores se abriram para cima
a fim de que o corvo as contemplasse

mas ele trazia em seu bojo
apenas o sangue dos seus ancestrais
e o barro nojento das covas

de seus bicos abertos
caiu um tijolo
e ficou só a lama:
terra hedionda e sangue morto


em "Trajeto"
 
...

o céu fugiu-me às vistas
a terra faltou-me aos pés
veio o abismo da noite

bati em todas as portas
inutilmente
só havia no côncavo do ser
vazio profundo
infinito nada

como os cegos abutres
finquei-me nas trevas
o silêncio tragou-me o grito

as sombras guardaram meus passos


em "Trajeto"

...


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